After do fim do mundo

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5 min readMay 5, 2022

Com o fim(?) da pandemia, estamos vivendo o que dá para chamar carinhosamente de after do fim do mundo. Esses dias eu li por aí algo como “ninguém no planeta é a mesma pessoa que era em fevereiro de 2020”. Todo mundo está sentindo essa ressaca juntos. Tipo, literalmente, todo mundo.

E como é que você está chegando aqui, neste momento?

Ainda que as coisas no Brasil já estivessem lentamente se abrindo desde o fim do ano passado, sinto que só agora mesmo que estamos transitando por aí com mais liberdade. As máscaras caíram (de modo físico e figurado) e nós podemos enfim voltar a cruzar com pessoas aleatórias numa simples fila de banheiro de festa. Essa sensação pra mim era a melhor de um rolê, porque era a representação máxima do acaso, o bom e abençoado acaso, sempre cheio de surpresas.

E esse movimento da retomada chega até você de várias formas: seja um convite, seja o bar da esquina lotado, o trânsito novamente caótico. Mas nem todo mundo ainda está nesse ritmo. E nem todo mundo que já está dançando na pista também não. Você aí que me lê, já saiu assim de noite? E como foi a experiência? Pra mim, é sempre um exercício tipo parque de diversões: muitos estímulos, muitas sensações, boas e ruins. Todos aqueles memes que a gente via antes desse momento chegar, de conversar, curtir e do nada a bateria social simplesmente desligar, realmente acontece. É como se houvesse uma outra festa interna acontecendo em cada um, ao mesmo tempo que estamos reunidos numa mera esquina do bairro boêmio.

No meio disso, a crise econômica e social se alastrou, uma guerra na europa começou, uma eleição presidencial está se armando. Tentamos driblar esses detalhes para conseguir respirar lá fora um ar poluído novamente. É como se, para continuar existindo, precisássemos sentir novamente as texturas, os cheiros, as sensações para além das abas do Chrome. Mas estamos enferrujados. Em sua coluna na Revista Gama, Leandro Sarmatz fala sobre o músculo da sociabilidade e a necessidade de trabalhar ele diariamente para deixá-lo nos trinques. “Em um bar, pude constatar que praticamente todo mundo estava buscando uma naturalidade perdida depois de dois anos de confinamento e neuroses”. Eu incluída.

Talvez seja uma questão de tempo, talvez não. Esse processo com certeza será cheio de obstáculos para todos nós e talvez o mais difícil dos encontros seja aquele consigo mesmo no meio desse novo mundo.

Se tá ao menos curioso reencontrar conhecidos, quem dirá sobre se relacionar amorosamente. Aliás, se relacionar. Digo, se conectar com as pessoas. Hoje em dia palavras simples que tentem descrever que você está se conectando com alguém pode botar tudo a perder. É como se o amor romântico não desse mais conta e nossos desejos estão tão pulverizados que não sabemos mais sequer o que queremos — ou se podemos falar sobre o que realmente queremos.

Sinto que dizer “estou apaixonada por você” é sinônimo de “está tudo acabado entre nós”. O podcast Vibes em Análise é o melhor podcast sobre comportamento da atualidade. O episódio sobre Paixões Bloqueadas busca desvendar essa miséria afetiva que estamos vivendo: “Miséria Afetiva é central no nosso tempo. com o colapso das instituições e o esvaziamentos de tantas áreas das nossas vidas, nunca precisamos tanto do encontro com o outro como fonte de sentido. Ao mesmo tempo, por mais recursos que tenhamos para ‘facilitar’ a conexão, também parece que a distância começa já no primeiro like”.

Esse tema inteiro dá uma newsletter só sobre ele, então vamos apenas tocar na ferida e sair correndo.

Nessa energia caótica, como você tem se sentido? Tem conseguido dar uma trégua ou trégua é sinônimo de hiperconexão? Responda quem puder. O Float, o insta do podcast que citei acima, fala muito sobre esses desafios do tempo e olha para o entretenimento hoje como algo crônico, algo que “a excitação é tão contínua… que se torna inércia”. E é impossível escapar. Isso se reflete totalmente no nosso trabalho, na nossa capacidade criativa, afinal, há sempre um adolescente de 13 anos fazendo mais grana do que eu. De tanta referência, tanto conteúdo, não há mais nada para produzir. Mas é preciso produzir, com aquela sensação de que estamos sempre atrasados, numa rota de insanidade.

Pensar no futuro parece um castigo consigo mesmo. Depois de tudo que passamos nos últimos dois anos, queremos apenas gozar no final (e durante e agora e depois). Essa busca pelos micro prazeres é o que tem tentado nos colocar de pé, mesmo que acabe virando só uma foto conceitual no Twitter — esse, tadinho, que talvez esteja com os dias contados. Acho que a gente precisa desabafar mais, pensar em voz alta mesmo, sem medo de ser verdadeiro, sem medo de dizer o que realmente sente. Eu quero reclamar, eu quero me apaixonar, eu quero não fazer nada, eu quero me empanturrar com um delivery de comida cara, eu quero meu direito de “sumir”.

Tá muito difícil. Toma aqui o manifesto do Ai Weiwei para a vida e a criatividade para dar uma amenizada e responda esse email me contando qual é o maior desafio que você tá enfrentando por aí. Vamos unir forças para ir contra tudo e todos e… reclamar.

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Percepções sobre a vida de quem trabalha criando ideias para um mundo melhor. heyshoot.cc