Como sobreviver até dia 28

É tempo de amar e sorrir, de se fazer bem.

Shoot
5 min readOct 24, 2018
@ritawainer

Você concorda se eu disser que as últimas semanas foram obscuras? Pergunte para sua rede. Nas minhas, li muitos lamentos como “estou com medo”, “não durmo direito há dias”, “fazem alguns dias que choro” ou “sinto um mal-estar que não sai de mim”. Não é por menos. Como desenhou André Dahmer, se pra você está tudo bem, acho bom você se informar melhor. Estamos frente a uma momento aterrorizantemente histórico.

E não escrevo em defesa a partidos x, governos y, escrevo sobre essa nuvem cinza que paira sobre o ar. Tudo em nossa volta está mais turvo do que nunca. Cada movimento, ora minucioso, ora no grito, vem junto de um embrulho no estômago. Seriam nossos avós, tios e tias, pais e mães, simpatizantes fascistas que sentávamos à mesa, abraçávamos nos Natais, dividíamos grandes momentos das nossas vidas? Prefiro acreditar que não. O filósofo Rafael Azzi nos garantiria que não também.

Mas é fato de que as coisas mudaram. As pessoas estão sem medo do absurdo. Expõe, espancam, marcam, matam o opositor. É impossível estar passível ao assunto. É preciso agir. Buscar informações. Abrir o diálogo. Virar votos, certo? Quase. Para mim, é preciso fazer tudo o que está ao alcance de cada um. Isso significa entender seu limite, conhecer a si e, acima de tudo, respeitar-se. A militância para expôr os absurdos do candidato em questão é fundamental, valerá — e já está valendo — nosso futuro, nossa vida. Deixar esse momento passar é como ver a torneira pingando e não fechar, uma criança caindo e não ajudar, uma planta morrendo e não aguar. Porém, tudo é possível apenas dentro do que somos capazes.

Há 15 dias, @mirella_floren organizou e divulgou o Manual de Autocuidados Para Não Surtar Até Dia 28. Aquilo me caiu como um chá gelado de hortelã em meio ao caos. Despertei para o alívio. “Não sou capaz de fazer parte dessa discussão mais. E está, sim, tudo bem”. Converso, compartilho, busco questionar também minha bolha, mas entendo que minha luta contra o ódio precisa ser respeitada.

Me desculpe, mas estou fazendo o melhor que posso. Até mesmo o seu lado pode te oprimir se você só estiver com a ideia da militância para além das suas capacidades físicas e emocionais. Sugando conteúdo fundamental e igualmente pesado dia após dia, adoeci. Passei cinco dias sonhando com o dito cujo, com perseguição, com morte. Chorei muito, andei na rua com medo. Troquei minha mochila favorita por outras que não tivessem cor alguma que representasse qualquer coisa para incendiar o ódio em quem vive dele. Não dormi direito. Vi amigos compartilhando seus relatos de violência nas ruas. As pessoas estão ficando loucas. E eu também estava. Foi esse story aleatório no meu feed que me deu o aval para me colocar na mira dos meus olhos. Compartilhei no meu Instagram e imediatamente recebi uma enxurrada de mensagens (inclusive de pessoas que quase nunca interajo) me agradecendo, confessando seus medos, expondo sua fragilidade.

É preciso entender seu limite e respeitá-lo com todas suas forças. Resguardar-se para reenergizar-se. É tempo de amar e sorrir, de se fazer bem.

Na prática:

  • Apague o app das redes sociais tóxicas. Não precisa desativar suas contas e sumir do mundo virtual, basta ficar offline por alguns dias. Você vai notar a maior diferença já no primeiro dia.
  • Entender seu limite é entender suas pressões e questões internas para escolher o que é melhor pra você. Não adianta usar toda sua energia em pessoas que estão completamente fechadas à discussões saudáveis. Recupere sua paz antes de qualquer coisa.
  • Parece impossível, mas a vida continua. Entrar na vibração do medo e da impotência não vão te ajudar. A louça ainda precisa ser lavada, a cama arrumada. Está difícil, mas não deixe de se fazer feliz.
  • Reveja hábitos, mesmo que eles tragam um certo conforto momentâneo. Opte pelas escolhas mais saudáveis possíveis, beba água, coma melhor. Seu organismo lhe retribuirá com energia em dobro.
  • Reúna-se com quem te faz bem, bota você de pé, te faz rir e se sentir amado. Na ausência, ame a si presenteando-se com o que você mais gosta de fazer, comer, visitar, assistir, ouvir.

A felicidade é resistência

Desestabilizar o opositor emocionalmente é uma arma poderosa. Assim como o sorriso, a felicidade, a alegria é a jogada mais porreta de volta. E acredito que o samba é a manifestação cultural mais encantadora e representante dessa teoria.

Todas as terças, acontece no beco do Brooklyn em Porto Alegre, uma reunião de grupos de samba para cantar, dançar, celebrar a vida, ocupando um espaço meramente ocioso. É do samba que nossa música nacional nasce. E que, apesar de ser um gênero musical resultado de estruturas africanas, é símbolo da cultura negra aqui e, logo, de resistência.

Foi lá que cantei a plenos pulmões os versos de Gonzaguinha “viver e não ter a vergonha de ser feliz”, me arrepiei com “a esperança equilibrista sabe que o show de todo artista tem que continuar”, eternizada na voz da Elis, abracei forte uma amiga, emocionada na elucubração sobre as belezas do Brasil com Aquarela do Brasil, no melhor dos instrumentistas do grupo presente. A felicidade está aí também, dentro de você, pronta para ser acessada como forma de luta, resistência e força, em pleno caos nacional.

Me despeço deste texto estimando a todos que me lêem coragem. Afinal, do lado que estivermos nessa disputa, em uma coisa nos alinhamos sob a mesmíssima perspectiva: o desejo inerente de sermos imensamente felizes.

Com todo o amor que houver nessa vida,
Manu.

P.S: “Se por acaso eu perder a esperança, esquecer de resistir e revolucionar, voltar a crer em ideias auto-limitantes de existência e, sobretudo, para me manter atenta e forte no preciosos e assustador agora: me vida do avesso, amor” — Cris Lisbôa

Links Iraaados

  • Um texto para tentar entender o que se passa na cabeça das mulheres que apoiam um candidato que as odeia.
  • Só a arte salva: cinco artistas brasileiras radicais;
  • O nome dela é Gal: uma série documental para sonhar e amar Gal Costa e a música brasileira. Todos episódios disponíveis no Youtube.

Esse texto foi escrito pela Manu e enviado para quem segue nossa newsletter no dia 19/10/18.

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Percepções sobre a vida de quem trabalha criando ideias para um mundo melhor. heyshoot.cc

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