Nós somos claramente responsáveis pelas consequências das nossas atitudes. Como há quatro meses, quando decidi a data das minhas férias mas fui deixando pra depois o planejamento do que fazer com elas. Agora, à beira da saída, só sei sobre os livros que pretendo ler.
Nós também somos responsáveis pelo que dizemos — e pelo que deixamos de dizer. Eu, por exemplo, sou campeã na categoria de falar coisas horríveis sem pensar. O arrependimento vir já durante a sequência de frases inconsequentes é praticamente rotineiro. Claro que junto do erro vem minha grande inseparável “amiga”, a culpa.
Como disse a Natália Klein nas suas elucubrações no falecido (mas inesquecível) blog Adorável Psicose, “nós somos responsáveis — ou pelo menos tentamos ser responsáveis — por uma lista infindável de obrigações morais. Não conseguimos nem nos livrar daqueles que cativamos. Como decretou Saint-Exupéry em “O Pequeno Príncipe”, somos eternamente responsáveis por essa gente. E eu sei bem disso, pois não suporto a ideia de que exista alguém no mundo que não goste de mim.” Nem eu.
A justificativa para todas essas responsabilidades é chegar a algo próximo do que se considera “felicidade”. Mas será que, assim como planejar nossas férias, somos os únicos responsáveis por nossa própria felicidade? É natural pensarmos que não — e mais fácil também. A ideia de ser impossível ser feliz sozinho ganha força quando lembramos de que precisamos de outros seres humanos para suportar a existência e (quase) nos faz concluir de que a tal felicidade está além da nossa lista pessoal de compromissos. Natália completa o pensamento com “nós dependemos da troca com outros seres humanos para sobreviver. Nós dependemos do quanto os cativaremos e do quanto seremos cativados por eles. Nós dependemos das suas escolhas, das suas palavras e das consequências de suas atitudes. E, por isso, meus caros, seja como for, a culpa por nossos infortúnios jamais haverá de ser nossa.”
Ufa.
Acontece que, ainda com esse peso da culpa distante de nós, sempre aparecerão outros pesos tão complexos quanto. Culpar o mundo pelas injustiças que sofremos, transferir a solução dos nossos problemas para a composição química dos nossos antidepressivos, alimentar o sofrimento, as decepções, os erros é nossa tentativa como humano de se isentar da responsabilidade de ser feliz.
Não é tão simples. Existem vários aspectos que puxam a gente pro lado negativo. É mais fácil chorar pelo que aconteceu e também pelo que não. E confesso que sinto ter total consciência quando escolher ser infeliz. É aquela fração de segundo em que você deliberadamente opta pelo sofrimento. Você tinha escolha, mas preferiu a habitual dose de autodestruição. E é quase compreensível. É muito mais fácil ser infeliz.
Byung-Chul Han, em “Sociedade do Cansaço” discorre a teoria de que a própria sociedade nos moldes que se encontra, o que ele chama de Sociedade do Desempenho, nos leva a crer que o nos torna depressivos seria o imperativo de obedecer apenas a nós mesmos. Para Alain Ehrenberg, a depressão é a expressão patológica do fracasso do homem pós-moderno em ser ele mesmo. Isso vem da carência de vínculos. Como se fôssemos agressores e vítimas ao mesmo tempo. Então ele conclui “a lamúria do indivíduo depressivo de que nada é possível só se torna possível numa sociedade que crê que nada é impossível”.
Existe uma atenção dispersa em nós que muda muito rapidamente de foco entre diversas atividades, estímulos, processos. “Se o sono perfaz o ponto alto do descanso físico, o tédio profundo constitui o ponto alto do descanso espiritual. Pura inquietação não gera nada novo. Reproduz e acelera o já existente”. É tempo, mais do que nunca, de parar e respirar.
Atenção contemplativa, mindfullness, o cultural dolce far niente dos italianos. Tantos são os comportamentos que defendem a calmaria, o tédio, o respiro, a vadiagem. Seja como for o termo que vem na sua cabeça quando se pensa em não fazer nada, para descansar, para transgredir, para encontrar a felicidade, tudo se resume a mim como o poder dos pequenos prazeres. Aqueles que acontecem sem a gente esperar e que nos presenteiam com microprazeres que tornam a rotina um passar dos dias mais prazeroso. É o cheiro da grama molhada do prédio vizinho, o ônibus que vem chegando bem quando chegamos na parada, aqueles vinte pilas que a gente encontra esquecido no bolso do casaco.
Acho que os animais ensinam muito sobre isso pra gente. Aliás, os animais nos ensinam muito, muito mais do que nós a eles — mas esse é outro papo. O que falo aqui é sobre a indizível alegria que nossos pets sentem com a nossa chegada em casa, a diversão que pode durar uma tarde inteira com um embrulho de bombom, o sono profundo e verdadeiro de encontrar um cantinho entre nossos travesseiros. No apartamento onde moro, reina a Nuvem, uma gatinha branca e mesclada de pontinhos e listras cinzas, que nos ensina todos os dias que é dona do lar, claro. Digo, que a felicidade das microcoisas está diretamente ligada a uma vida leve e amplamente feliz.
Ou melhor, uma vida legal é uma vida onde as microcoisas tem espaço para nos proporcionar satisfação, alegria, força e esperança. É como aquela peça de roupa favorita, que nos enche de atitude, que nos faz sentir invencível. Onde a culpa não tem vez. É aniquilada pela potência dos microacontecimentos que nos satisfazem.
Que em 2018 sejamos capazes de crer em nós mesmos, de assumir nosso espaço, nossas medidas, nosso impacto. Que em 2018 as gramas exalem seu cheiro maravilhoso por onde passamos, que a troca de olhares com uma criança na rua nos encha de esperança, que os shows dos nossos ídolos nos liguem corpo, alma e coração, que as mãos quentinhas encontrem seu destino e que, com tudo, sobretudo, nos encontremos sorrindo sem perceber. Exatamente como espero que você tenha chego ao final deste email.
Um abraço apertado,
Manu.
Esse texto foi escrito pela Manu e enviado para quem segue nossa newsletter no dia 25/01/18.