HOMEM NEGRO TRANS

Shoot
5 min readJul 6, 2022

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Olá, galereeee! Sou o novo membro da família Shoot :) Me chamo Morgan Lemes, sou um homem negro e trans, tenho 29 anos e vivo em Novo Hamburgo, Rio Grande do Sul. Sou graduando em História na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, pesquisador, diretor e roteirista formado no Laboratório de Narrativas Negras da FLUP/TV Globo. Pesquisador decolonial membro do coletivo GENHI (Grupo de estudos sobre gênero e sexualidade do IFCH/UFRGS) e do coletivo CLOSE História (Centro de referência da história LGBTQIAP+ do RS), militante ativista nas causas de gênero, raça e classe e co-fundador do coletivo Homens Negros Trans e Transmasculines em Diáspora (HNTTD/RS).

Vou falar um pouco da minha história, mas para todes não quero que encarem como uma imposição de padrão de vivência.

Passei boa parte da minha vida sendo lido socialmente como uma pessoa do gênero feminino. Na minha infância eu não entendia o porquê de não poder participar dos torneios de futebol, só por ser menina. Eu jogava muito bem e era destaque na escola de futsal (jogando entre os guris), mas mesmo assim não era convocado para os torneios. Não entendia porque isso acontecia e me cobrei muito para melhorar meu futebol, pois deveria ser por isso que não era convocado. Até que eu fui crescendo e entendendo a bifurcação dos gêneros na nossa sociedade.

Na adolescência, passei boa parte dentro de uma religião chamada Testemunha de Jeová. Sim, era eu batendo na tua casa em um domingo às 8h da manhã para te contar sobre a palavra de Deus na Bíblia. Uma das piores coisas pra mim lá, era ser “obrigado” a me vestir e performar uma feminilidade do qual não tinha cabimento. Eu e todas as pessoas do gênero feminino tinham um papel para cumprir, além de serem submissas aos seus maridos. Passei a indagar a crença, pois muitas coisas não faziam sentido. As respostas deles não davam conta e nem sustentavam todos os meus questionamentos. Para eu ser aceito por Deus eu era obrigado a tudo isso? Percebi que não, que eu poderia amar a Deus sem ser daquela maneira. Me libertei e resolvi sair da organização das Testemunhas de Jeová.

Passou um tempinho, já na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, com 19 anos e assumido como uma mulher lésbica, o mundo se abriu pra mim. Noções de sociedade, política, cultura, economia e história se ampliaram de uma forma poderosa. E foi lá que meu verdadeiro livre arbítrio começou. Entendi sobre os atravessamentos da branquitude em minha vida e aceitei meu ser negro de mente e coração. Mas mesmo sendo uma mulher negra lésbica com “trejeitos” e roupas lidas como masculinas, eu ainda não me sentia eu. Alguns anos depois, com 23 anos, no evento da semana da diversidade na faculdade, já com muitos questionamentos e negação do meu próprio eu, resolvi ir em uma palestra do João W. Nery.

Antes, eu era lido como uma mulher lésbica negra. Sofri vários preconceitos por ser negra, lésbica e por ser mulher. Nas relações afetivas eu não era considerado. Minha inteligência e capacidade sempre questionadas. Hiper sexualizado por homens cis. Além de sofrer com o racismo diário. Depois que me assumi como um homem trans, comecei a sofrer transfobia, porque eu não era respeitado como homem. O racismo continuou a perpetuar em minha vida. Agora lido como homem negro, passei a ser encarado como uma ameaça pela sociedade. Ali eu entendi o que meu amigo Leonardo Peçanha disse com essa frase.

Sempre saio com minha identidade para qualquer canto, mesmo que eu vá fazer uma caminhada ou corrida. Nunca entro em um supermercado sem uma cestinha ou carrinho. Não entro em nenhum lugar com o passo acelerado ou correndo. Ao me verem na rua as pessoas atravessam, ou seguram suas bolsas mais fortes, ou os homens se posicionam diferente. Em muitas lojas ou bairros evito de ir porque sei que lá é certo que vou sofrer racismo. Olhares ou pessoas te atendem de maneira ruim. Enfim… posso passar o dia escrevendo como é ser negro em uma sociedade racista independete do meu gênero, da minha sexualidade, da cor do meu cabelo, dos meus olhos, da minha roupa… eu sou negro! A sociedade colonizada vai ser racista. Esse CIStema vai ser racista.

Temos que entender que no período colonial no Brasil, foi imposto em nós o que é ser homem, como se deve agir e se portar; e o que é ser mulher, como ela deve agir e se portar, qual cor é respeitada e qual cor não é, quais características físicas as mulheres devem apresentar e quais características os homens devem apresentar. A biologia foi categorizada nessa binaridade, mas hoje já temos estudos de pessoas que mostram as pluralidades de todos os seres e de como a categorização é algo ruim. Eu sou uma pessoa xx e sou homem, tenho amigas que são xy e são mulheres, quem disse que os órgãos genitais dessas pessoas definem quem são elas? Entende o que quero dizer?! Gênero e sexualidade foram impostos. Sua base colonial foi fortemente defendida pela religião católica.

Temos documentos históricos mostrando que antigas sociedades africanas e sociedades indígenas tinham outro modo de entender a sexualidade e seus corpos sem ser a binaridade. Se relacionavam de outras maneiras, viviam de outros modos, tudo antes da ocidentalização. Hoje é necessário decolonizar o pensamento e entender a pluralidade dos seres. Negar que o racismo existe e não ser antirracista é fechar os olhos para o que está acontecendo e ser condescendente. Como um homem negro trans, discuto sobre a masculinidade que construí até aqui, que é totalmente diferente de uma masculinidade cisgênera.

Livros para ler:

  • Histórias lesbitransviadas do RS | Benito Schmidt e Rodrigo Weimer
  • Nem ao centro nem à margem — Corpos que escapam às normas de raça e de gênero | Megg Rayara Gomes de Oliveira
  • Corpos Transitórios: Narrativas Transmasculinas | Bruno Pfeil, Nicolas Pustilnick, Nathan Victoriano
  • Transmasculinidades Negras — Narrativas plurais em primeira pessoa | Bruno Santana, Leonardo Morjan Britto Peçanha, Vércio Gonçalves Conceição

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