Queria começar essa newsletter dizendo que a principal motivação para o texto abaixo veio ao ver esse vídeo aqui: “Publicidade transforma a sociedade?” com a Daniela Cachich, VP de Marketing da PepsiCo, e o Ricardo Dias, VP de Marketing da Ambev.
Pra quem não quer ver o vídeo acima comentado, ou quiser entender de outro jeito:
Chegamos. Antes tarde do que mais tarde.
Todo profissional de publicidade, em algum momento da sua trajetória, consegue entender que o seu trampo é basicamente encontrar formas de comunicar algo que as pessoas talvez não precisem. Ele percebe rapidamente que está incentivando as pessoas a usarem coisas ou viverem de determinadas formas porque é mais “a cara delas”. E pra essa lógica ter sucesso, precisa-se comunicar de uma forma que faça as pessoas pensarem que realmente precisam do que estamos apresentando.
Enfim, a verdade é que apesar de todos conseguirem chegar a esse raciocínio rapidamente, parece que isso é meio atual. Esse raciocínio de menos de 100 caracteres nunca aconteceu aos seguidores de Olivetto e Guanaes — e aos próprios, claro. E são citados aqui porque ajudaram a construir uma indústria de bilhões de reais/ano com zero preocupação de o que isso estava construindo. São responsáveis por muuuuitas mensagens que foram passadas a nossa sociedade e, quando penso nisso, sempre me vem na cabeça se em algum momento dessa antiga geração rolou uma tomada de decisão do tipo “foda-se, não me importo com o impacto do que tô construindo aqui, quero dinheiro, casas e helicópteros pra garantir o futuro da família e aquele abraço Brasil” ou foi só falta de conhecimento mesmo.
Mas não é sobre isso (um pouco é, na real), mas é sobre entender que pra algum sistema mudar, alguém tem que fazer diferente. Mostrar que dá, que faz sentido. Uma pessoa precisa propor novos caminhos para que uma comunidade mude. E esse movimento de pessoas com um pensamento mais cidadão, mais conectado com as emergências globais, finalmente está chegando em cargos de liderança de comunidades de pessoas privada — e essa galera vai hackear o sistema.
Quando a Shoot começou a fazer projetos com marcas, além da ação/atitude que sempre propomos que a marca faça, nós, publicitários que somos, entregamos também o discurso. A mídia. O vídeo. A identidade de campanha. A produção da foto. Do jingle. E aí pode colocar nos formatos que todos conhecem e passa a fazer sentido. Simples assim. Queremos ocupar a grade de mídia dos canais e investimentos de comunicação com mensagens melhores. Não só melhores de acabamento/estética, mas que faça mais sentido pro contexto que ela tá vivendo. Uma análise de mercado onde o mercado é o mundo e o target é “pessoas que vivem no mesmo mundo que eu”. Parando de pensar só na casca. Trazendo pro trabalho de publicidade um penso com um nível minimamente mais profundo.
E as contratações desse tipo de trabalho começaram a surgir de diferentes orçamentos: setor de responsabilidade social, de sustentabilidade, de diversidade, de recursos humanos e também de marketing. O setores de responsabilidade social querem comunicar seus trabalhos e não tem espaço na pauta do marketing. Os setores de recursos humanos querem mobilizar seus colaboradores em prol de um norte único com culturas e comportamentos e fazer isso através de causas passa a ser um ótimo jeito de mobilizar. E os setores de marketing querem uma ação promocional que gere uma boa história pra contar.
Quando começamos a trabalhar éramos contratados por pessoas em cargo de coordenação, supervisão e gerência. Essa não era uma pauta de vice presidente, era uma pauta aleatória que algum supervisor de comunicação, já consciente que esse é um projeto que lhe entregaria mais propósito, teve a visão de fazer.
E é aqui, nesse novo ambiente, onde as discussões sobre os discursos passa a fazer parte da rotina dos VPs, que eu gostaria de compartilhar alguns aprendizados que tivemos nessa trajetória de entregas de trabalhos de comunicação para impacto social.
1. Fazer algo para ter o que falar é a forma mais forte de construir imagem.
Um filme de 30" da Skol falando sobre o novo contexto do planeta e retirando o estereótipo da mulher dos seus comerciais é muuuuito importante. Mas muito importante meeeesmo. Porém, isso fará a cobrança da audiência crítica sair do julgamento da tua mensagem e ir para um cenário onde as pessoas vão avaliar as atitudes da organização. O que quero dizer é que, além de criar um bom discurso, também precisa existir um ambiente na empresa que de fato trabalhe essas causas. É o fugir do clássico “quem você pensa que é pra falar isso pra mim?”.
2. Quem está liderando precisa entender um pouco sobre suas causas.
Uma das principais dificuldades de fazer as marcas criarem essas conversas é porque as pessoas que estão nas posições de poder não conseguem entender o significado e a importância de uma conversa como essa. Em geral, trabalhar com comunicação de causa requer que as pessoas que estão envolvidas consigam de fato entender a importância disso. Ter suas causas claras ajuda. E podem ter causas diferentes, desde que entendam que vão fazer um trabalho que visa ajudar a resolver um problema (e por consequência construir imagem). Infelizmente a grande maioria das pessoas nessas posições são homens, brancos e na maioria das vezes com dinheiro suficiente pra uma universidade privada e estágios pagando menos de um salário mínimo por 1000 horas semanais. São aqueles que fazem comentários machistas achando que é engraçado, sabe? O ponto de atenção aqui é que a paciência pra insensibilidade acabou e muitas pessoas já sabem que se rolar se esforçarem meio por cento poderão prejudicar a imagem da empresa.
3. As métricas e definições de sucesso precisam estar claras.
Não é tudo sobre alcance, engajamento e aumento de base. É sobre transformação de uma realidade. Pessoas que mudam de comportamento por causa de uma conversa. Mudanças reais de significado de trabalho e relações sociais. Entregar um trabalho de comunicação com causa significa entregar o impacto que esse projeto teve na vida de pessoas, não apenas o número de pessoas que viram o vídeo, mas as histórias de pessoas que foram impactadas pelo projeto e até o que aconteceu depois da ideia.
4. O formato de cobrança do mercado precisa mudar.
Como pensar em projetos que geram impacto se o processo de construção desse projeto é totalmente tóxico? Ele é tóxico porque a maior parte da remuneração dos grandes players da indústria criativa não acontece para serem criativos. A grande parte do dinheiro vem da bonificação por intermediar os investimentos em mídia. O que isso quer dizer? Que ao invés da agência cobrar para pensar e percorrer o seu processo criativo, ela faz isso de graça para correr o risco de poder intermediar uma grande verba e ser bonificada por isso. E é isso que os líderes dos negócios da nossa indústria querem seguir fazendo. Acreditamos muito que para a comunicação de causa acontecer no seu melhor, o mercado precisa ser pago para pensar, não para executar.
5. Quem está criando sabe o que está fazendo?
Casa de ferreiro, espeto de pau. Que ditado mais sem sentido. Como podemos despejar milhões de investimento em uma empresa que nunca fez nada por ela relacionado ao tema que está sugerindo. Como esperar que a agências que aparecem nessa lista todos os anos sejam responsáveis por criar uma comunicação sobre temas como causas? É sobre fazer para os outros o que acredita tanto que faz até para você. Assim como a cobrança da audiência crítica com as organizações por discursos não condizentes com ações pode acontecer, aqui na Shoot a gente acredita que para criar uma boa estratégia de comunicação de causa, o criativo também precisa fazer. É por isso que temos projetos independentes, projetos que são investimentos nossos em dar espaço para nossas pessoas e nossas crenças.
É isso. Queria manifestar minha felicidade ao ver que esse tema está na boca de pessoas influentes do mercado corporativo. Além de feliz, ansioso pra ver os próximos capítulos. É bom ver que 5 anos depois de começarmos a trabalhar com comunicação para impacto social, o assunto finalmente chegou nas grandes lideranças empresariais.
Talveeeez a gente consiga se entender enquanto comunidade e não explodir o planeta nos próximos anos.
Otimista demais? Sim ou sim?
Até a próxima :)
- Melhor que qualquer campanha. Uma ação que pode ser explorada como uma grande história por um bom tempo.
- Mais uma das ações que dizem mais que uma campanha.
- A entrevista que foi o gatilho da reflexão sobre aprendizados.
Esse texto foi escrito pelo Artur e enviado para quem segue nossa newsletter no dia 18/02/20.