É isso que eu pratico enquanto divido o sofá
Três lições para a vida que dividir o mesmo teto pode nos trazer.
Semana que vem vai fazer três meses que voltei a dividir casa. Escolhi esse fato como tema porque acho que ele passa por muitas coisas além do compartilhamento intensivo de espaço no dia a dia.
A minha primeira experiência morando com pessoas que não eram a minha família aconteceu de 2012 a 2015. Foi bom. Foi horrível. Cheguei a morar com quatro pessoas diferentes em tempos distintos. Voltei a pensar sobre o assunto quatro anos depois. E hoje, em 2019, vivo novamente uma vida compartilhada e queria falar sobre as três principais coisas que sigo aprendendo nesse exercício.
A negociação
No começo do ano escutei de um amigo que morar sozinha/o vai deixando a gente cheio de manias individualistas e apegos materiais. Lembro que senti um leve desconforto por notar que eu estava me direcionando para esse caminho: cristalizando formatos e cada vez menos tendo que entrar em negociações. A minha primeira experiência me colocou de frente com gente que não negociava, mas estabelecia. Estabelecia a sua regra e estendia ela ao outro. Ficou claro ali que o método não funcionava e também que é preciso saber se posicionar. Foi quando comecei a praticar o exercício de compreender o que eu queria para poder reivindicar, confiando que eu também tinha demandas e que precisaria haver um meio termo.
Veja bem, se estamos falando sobre a negociação, precisamos passar necessariamente pelos limites. É importante poder colocar o que se quer, entendendo que talvez o que se queira vai precisar ter algumas condições ou mudanças para que o outro se sinta bem também. Logo, é preciso saber qual é o seu limite e ouvir o do outro. Não tem limite certo e limite errado. Tem aquilo que vai te deixar mal de cabeça e tem as coisas com as quais tu lida bem. Precisamos estar atentos e ir fazendo os nossos testes.
A paciência
No livro “Seis propostas para o próximo milênio”, Italo Calvino, ao falar da rapidez, divide com o leitor a seguinte história chinesa: “Entre as múltiplas virtudes de Chuang-Tsê, estava a habilidade para desenhar. O rei pediu-lhe que desenhasse um caranguejo. Chuang-Tsê disse que para fazê-lo precisaria de cinco anos e uma casa com doze empregados. Passados cinco anos, não havia sequer começado o desenho. ‘Preciso de outros cinco anos’, disse Chuang-Tsê. O rei concordou. Ao completar-se o décimo ano, Chuang-Tsê pegou o pincel e num instante, com um único gesto, desenhou um caranguejo, o mais perfeito que jamais se viu”.
Assim como para os processos criativos, as relações interpessoais também precisam de condições específicas e tempo para chegar em bons resultados. Não necessariamente 12 pessoas envolvidas nem 10 anos. Seja qual for o tempo ou as condições, dividir espaços é sobre ter calma consigo e com o outro, sabendo que as coisas batem em ritmos diferentes e tá tudo certo.
A comunicação
O grande problema e a grande solução. A gente definitivamente não sabe se comunicar. E, em alguns momentos, quando a gente se comunica, a gente se atropela ou atropela o outro. Exercitar a fala e o jeito de falar o que se quer necessita muita sensibilidade. Saber a hora de calar também é importante e, no caso de dividir casa com alguém, às vezes até o silêncio precisa ser pontuado, porque a falta de conversa também diz muito e às vezes pode sugerir coisas erradas e somar equívocos na nossa montanha de nóias. Não somos seres passivos. Perguntar também é sempre uma boa ideia.
É preciso que haja a fala para que hajam resoluções e negociações. E para falar é obrigatório escutar. Uma coisa é amarrada na outra e o processo de escuta é muito esclarecedor quando feito de forma atenta e aberta, sem sobrepor verdades, sem invalidar o ponto de vista do outro pra afirmar o seu.
Há muito mais a ser dito sobre cada uma dessas coisas, mas hoje queria lembrar delas de forma rápida. Eu situei todos esses eternos aprendizados no âmbito da moradia porque é onde isso me desperta de forma mais íntima e contínua. Mas são questões que penetram todos os espaços e tá tudo bem também querer lidar com elas fora de casa.
No meu caso, tomar a decisão de voltar a morar junto, dessa vez com uma amiga que é muito especial, foi com certeza uma das minhas melhores decisões de 2019.
Dividam espaços, estejam atentos e permaneçam sempre sensíveis.
Se quiser compartilhar comigo os teus aprendizados e tuas decepções também, vou adorar saber. ❤
- O livro maravilhoso de Italo Calvino que comentei durante o texto.
- “Sigur Rós — Valtari”: um videoclipe muito lindo.
- Pra saber mais sobre a casa que todos nós dividimos e sua história.
Esse texto foi escrito pela Fran e enviado para quem segue nossa newsletter no dia 06/11/19.