É tempo de ver e ouvir, não importa a perspectiva.

Negritude, branquitude e o que todos precisamos compreender (e agir) sobre o tema.

Shoot
4 min readMay 12, 2021

Oi! Essa é a minha primeira newsletter da Shoot, então, nada mais justo do que começar me apresentando: eu sou a Nicole. E se é para falar de quem eu sou, nada embasa mais isso do que dizer: eu sou uma jovem mulher negra brasileira.

Já me perguntei muitas vezes “por que eu não entendi isso antes?” e poderia enumerar uma lista de fatores que me atravessam, afinal sou parte de um processo forçado de embranquecimento da população brasileira, que quer apagar a cultura negra desde sempre e gera reflexos até hoje. Mas lembro de um amigo me falar que cada um tem o seu tempo no sono do colonialismo. Lélia Gonzales, lá em 1988, disse “a gente não nasce negro, a gente se torna negro. É uma conquista dura, cruel e que se desenvolve pela vida da gente afora”.

Essa sensação de metamorfose na direção contrária, em direção às minhas origens, à minha ancestralidade, faz tudo ter cada vez mais sentido. É como uma explosão de coisas que passam a ter explicação, infelizmente, nesse caso, tentativas de me limitar. Simbologias intrínsecas em pequenos acontecimentos do dia a dia. Sofro daquele passe que a branquitude quer me dar para se dizer diversa e antirracista, mas está sempre me lembrando que não sou igual.

Quando mais nova, sempre fui “a amiga mais escurinha da menina loira”. Meu primeiro namorado queria que eu alisasse o cabelo, dizia que eu ficava mais bonita. Várias vezes já ouvi também “ah, mas teu cacho é mais bonito, não é daqueles ruins”, ao mesmo tempo que diziam “mas esse teu nariz aí não me engana”. Como se fosse um crime ser negra e eles, o júri da branquitude, tivessem o poder de me absolver ou não. Ter acesso a oportunidades me fez crescer imersa em um meio majoritariamente branco, colégio particular, universidade federal, etc. Quais os reflexos disso em mim?

Recentemente uma amiga me perguntou “mas Nicole, eu te vejo assim, com uma cor tipo jambo, tu realmente se sente atingida pelo racismo?”. E nesse momento passou um filme na minha cabeça. Novo termo do IBGE é jambo? Minha amiga na verdade nem sabe a diferença entre racismo, preconceito e discriminação, será que vou ser eu a responsável por explicar sempre? Engraçado que nesse mesmo dia, pela manhã, comecei a pensar sobre a minha insegurança profissional, sobre porque eu não conseguia me sentir tão confiante em relação a isso e percebi que quando comecei a cursar Administração em uma universidade federal me deparei com uma realidade completamente diferente da minha. Muitas vezes senti como se não fizesse parte daquele lugar, mas nunca entendi o porquê.

Acho que aprendi a naturalizar o fato de não ver pessoas parecidas comigo ao meu lado ou me dando aula. Na faculdade tive uma professora negra e posso contar nos dedos os colegas negros. Percebi que minha insegurança era muito influenciada por saber que era com esses mesmos colegas que eu estaria competindo quando chegasse a hora de enfrentar o mercado de trabalho. Colegas que estudaram nos melhores colégios de Porto Alegre, que são filhos de grandes empresários, que falam mais de duas línguas, que já viajaram muitas vezes pelo mundo e que tem muitas portas abertas ao natural, por nascerem assim. Como enxergaria que realmente sou tão boa se mal tenho referências para me espelhar?

E por que falar sobre isso na minha primeira news? Simplesmente porque eu quis. Quer dizer que eu só vou ou só posso falar sobre isso? Não, muito pelo contrário. Se eu não tive referência ou identificação por não oportunizarem que outras pessoas como eu estivessem nos espaços, eu vou ser, eu vou criar ou eu vou exaltar essas referências. Porque o caminho é a comunidade. Porque em todos os espaços que eu ocupar irei apontar para a importância do debate, da conscientização e do penso para além daquilo que é superficial. Quero ver muitas outras pessoas falando sobre isso também em todos os espaços. Como Camilla de Lucas disse no BBB “se é cansativo para vocês ouvirem, é cansativo para mim viver”, mas nós vamos viver e todos terão que ouvir e ver!

  • Se a ideia é dar luz às referências, nada mais justo do que trazer como indicação Emicida: AmarElo — É Tudo Pra Ontem. Documentário que mostra o que há por trás do show do rapper e ativista no Theatro Municipal de São Paulo, celebrando o grande legado da cultura negra brasileira.
  • Se o objetivo é entender os conceitos norteadores do que envolve a grande sistemática do racismo brasileiro, esse é o livro! Escrito pelo intelectual Dr. Silvio Almeida, aborda como o racismo está presente na estrutura social, política e econômica da sociedade brasileira.
  • Que tal inserir conteúdos referentes ao racismo no dia a dia? Essa é uma página que traz explicações didáticas e objetivas sobre alguns tópicos que geram dúvidas. O objetivo é a reeducação racial!

Esse texto foi escrito pela Nicole e enviado para quem segue nossa newsletter no dia 15/04/21.

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Percepções sobre a vida de quem trabalha criando ideias para um mundo melhor. heyshoot.cc

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